segunda-feira, 7 de julho de 2014

1984 X ADMIRÁVEL MUNDO NOVO DJORDANA BOMBARDA

1984 x ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

Djordana Bombarda


A primeira coisa que chama atenção nos dois livros é a temática. Ambas falam de opressão, descrevem ditaduras cujo principal meio de coerção se dá através do patrulhamento das ideias e do aniquilamento da identidade. O indivíduo não existe no mundo futurista imaginado por Huxley, em que até a concepção e o parto são destituídos de “naturalidade” e os bebês gerados, após seleção criteriosa dos genes de machos e fêmeas, em laboratório. A solidão, a tristeza e a velhice também são abolidas no novo mundo e a consciência é entorpecida por um hedonismo desesperado, o prazer adquirido através de uma droga de controle social, o soma. Em 1984, o indivíduo também não existe. O Partido e o Grande Irmão controlam as vontades e as consciências. Uma pessoa não é nada, só o grupo importa, fora do grupo só existe aniquilação. As opiniões que valem são a do grupo, notas dissonantes primeiro precisam ser “catequizadas”, depois humilhadas e quando ninguém lembrar sequer de um eco de discordância, eliminada.
Admirável Mundo Novo foi publicado em 1932, sob a ameaça do nazi-fascismo, que se espalhava na Europa e que culminaria com a II Guerra Mundial. Já 1984 foi publicado em 1949, após a guerra, quando o mundo ainda se recuperava das feridas provocadas pelo conflito. Era também o início do processo que dividiria o mundo em blocos políticos e econômicos.
A fama de Huxley e de Orwell como gurus decorre do fato dos dois, décadas antes, terem descrito, quase com perfeição, o mundo globalizado onde vivemos. Ler Admirável Mundo Novo ou 1984 sem traçar paralelos com a sociedade pasteurizada, preconceituosa, infantilmente apegada ao prazer rápido e descartável, além de submissa da atualidade, ao menos para mim, é impossível.
O Soma distribuído como ração em Nosso Ford, o ”país modelo” do admirável mundo novo de Huxley, pode ser substituído por uma infinidade de recursos e/ou substâncias utilizadas para mitigar a dor da nossa frustração enquanto civilização.
 O Grande Irmão de 1984, por sua vez, reeditado num mundo que perdeu a noção de privacidade, tem mais olhos que a Hidra de Perna e suas infinitas cabeças. A verdade é que a ideia de sociedade já nasceu velha e caduca.
O que firma-se como verdade universal é que as duas obras, apesar das datas de publicação, não perdem a capacidade de renovar-se.  Pelo menos não enquanto a humanidade repetir a história ad infinitum, mudando apenas os nomes das personagens principais, mas movida pelos mesmos motivos.
Admirável Mundo Novo – Partindo de uma realidade conhecida no seu tempo, a divisão da sociedade por castas, Aldous Huxley ambienta sua história no hipotético mundo de Nosso Ford (o trocadilho com o famoso economista e com a fábrica de automóveis é intencional). Neste país, os seres humanos são condicionados psicológica e biologicamente para viverem em harmonia, cada um na sua casta, apaziguado com a realidade, sem questionar a ordem “natural” das coisas. Para isso, o governo de Nosso Ford implanta um rigoroso sistema de produção de bebês em série, abolindo a reprodução sexuada. Após selecionar os genes masculinos e femininos e cruzá-los em laboratório, as crianças nascidas, de acordo com suas características de casta, recebem a educação compatível em centros especializados, que os condicionam (via lavagem cerebral) para desempenharem suas funções e para, lógico, abominarem, com toda sorte de preconceitos, as castas diferentes. Fora de Nosso Ford, vivem “os selvagens”, seres humanos que ainda são vivíparos e que enfrentam a dor e a angústia de viver num mundo em que os indivíduos tem vontade própria. O conflito do livro é o choque de realidade entre um rapaz criado numa reserva de “selvagens” e que é levado para conhecer Nosso Ford. Uma das melhores passagens da obra é o diálogo do Selvagem e de Vossa Fordeza, o líder de Nosso Ford, sobre Deus, fé e humanidade.
1984 – Também partindo da realidade conhecida, a Europa dos primeiros anos do pós-II Guerra, George Orwell imagina um mundo dividido em três superpotencias que vivem de brigas e alianças entre si e cujo controle social é exercido pelo Partido e pelo líder Grande Irmão. Vigiados 24 horas por dia pelas teletelas (principal instrumento da polícia das ideias) os cidadãos desse mundo sitiado vivem um progressivo aniquilamento da memória e da individualidade. Os cidadãos que trabalham para o partido, eles mesmos igualmente vigiados, tem como missão criar a Nova Fala, idioma em que todas as palavras tidas como subversivas (praticamente todas que reunidas numa frase conduzam ao ato de pensar) precisam ser abolidas e trocadas por outras, meramente funcionais e sem significado. Ao mesmo tempo, o Ministério da Verdade se ocupa de alterar fatos e datas históricas cada vez que o Partido acredita que uma determinada informação pode comprometer o regime, daí, depois de pouco tempo, ninguém mais sabe o que é a realidade de fato ou o que é uma versão da realidade, se é que existe alguma realidade de fato. O herói da história é Winston, um membro do partido que trabalha no Ministério da Verdade e que, inadvertidamente, descobre um documento que deveria ter sido alterado e eliminado e que pode destruir o Partido, caso caia nas mãos erradas.
Mas o hábil exercício de futurismo dos autores não decorre de poderes mágicos (se bem que às vezes eles parecem mesmo ter superpoderes), mas apenas da sagacidade em observar o mundo que se construía em 1932 e em 1949, mover as peças do tabuleiro em determinadas direções apontadas pela conjuntura e visualizar o que seria o futuro.



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